MATEIRA COMO ANCESTRALIDADE
A vida de negros e indígenas se entrelaçaram no caminho do cativeiro. Mateiras são quase sempre nativas que conhecem como ninguém as regiões selvagens e as criaturas que nelas habitam. Muitas viram seus povos serem dizimados, foram acolhidas, fizeram do quilombo seu lar, trocaram conhecimentos ancestrais e ensinaram aos quilombolas os segredos das matas. Suas habilidades e talentos permitem guiar seus aliados em regiões selvagens, emboscar inimigos com precisão e cativar feras selvagens que usarão seus instintos e sua força para auxiliá-los na jornada.
Arajuína de Mata Matinta
Num foi nada fácil vencer a rebentação do rio. A água batia forte, os corpos rodopiavam feito cabaças em enxurrada, cada braçada era um tanto de ar tirado do peito. Mas os quilombolas sabiam: tinham atrás de si um tropel de inimigos, uma maré de espadas e espingardas. Agarrando um galho aqui e uma raiz ali, feito se agarra em promessa feita pra santo, foram juntos, até que o rio os cuspiu na outra beira, com fôlego no toco.
Foi aí que a boca do mato se abriu. Viram primeiro o brilho amarelo dos olhos, depois o corpo gigante da suçuarana, maior que um homem de meia idade. O bicho mostrou os dentes como quem ri de canto de boca. Atrás dela se ergueu Arajuína, a filha da mata, mulher e sombra, tronco e folha em forma de gente. Era dona do silêncio e do segredo que morava naquelas matas, guardiã do Quilombo que ficava escondido do outro lado do rio, para onde nunca deveriam ter ido, nem com inimigo no encalço.
Quando a onça rosnou, a mata inteira se arrepiou e uma revoada de pássaro voou, sacudindo as árvores. Com voz funda, arrastada, feito trovão no vento, Arajuína deu a ordem: “voltem pro outro lado que aqui não tem pouso pra vocês”. Os quilombolas se entreolharam, coração acelerado e miúdo. Venceram o rio, mas tropeçaram na mateira do Quilombo de Mata Matinta. Naquele dia, o destino brincou de vai e vem como as águas, e a floresta negou abrigo.