Capitão do Mato: inimigo do Quilombo!

kilombo capitao do mato Blog

A vida de um capitão-do-mato é capturar negros fugidos. Sua especialidade é a caça, a captura de quilombolas que fugiram em busca da liberdade, e a destruição dos quilombos. Se o faz por ódio ou ganância, ninguém sabe — mas, quando um negro fugido na mata escuta o latido dos cães, acelera o passo, porque ninguém quer encarar o diabo de frente.

Arte: Capitão do Mato – Johann Moritz Rugendas, Public domain, via Wikimedia Commons

O Diabo que veste couro - Parte 2

Lá pras bandas de Iranduba, corre uma estória velha que nem tronco de maçaranduba, sobre um capitão do mato chamado Unha de Onça — homem ruim feito peste, com mais de vinte negro fugido no lombo da espingarda. Contam que certo dia se deu de perseguir um tal Soares, e foi assim o sucedido.

Soares cortava a mata feito bicho acuado, sem nem ver por onde passava. Atrás dele, o capitão atirava — uma, duas, três vezes — e parecia que a pederneira nunca secava de pólvora. A última bala passou zunindo, tão perto que lascou o tronco da Samaúma. Um bando de surucuás levantou voo, barulhentos, assanhados, voando pra todo lado como se a mata tivesse acordado com susto.

Soares jurava ter escutado o clique do gatilho mais uma vez, mas foi aí que o chão sumiu debaixo dos seus pés. Não foi queda de barranco, foi ladeira abaixo, de rolar feito pedra solta. Tentava se agarrar em raiz, tronco, o que fosse — mas só levava corte, de cascalho afiado que abria sua pele como faca em couro fresco.

O tormento só parou quando o corpo bateu em chão firme com um baque seco. Ouvia ao longe o barulho duma água caindo — talvez cachoeira, talvez outra coisa — mas a vista embaçou e o mundo apagou, como lamparina soprada no escuro.

Lá em cima, o capitão parou à beira do buraco. Era homem valente, disso ninguém duvida, mas não deu mais um passo. Os cães chegaram ofegantes, rodaram, cheiraram, mas ao invés de latir, ganiam miúdo. Olhou para o fundo e viu só escuridão. Sabia que lá embaixo não tinha coisa boa e negro morto não valia dois contos de réis. Benzeu a testa, limpou o suor dos olhos e deu meia volta.

Três dias depois, Dandara e Aziza desceram com cipó bem trançado, rezando e chamando baixinho o nome do companheiro. Lá no fundo acharam Soares, encostado numa pedra, branco que nem vela de missa, perna toda torta, olho arregalado feito quem viu coisa do outro mundo. No peito, apertava um ovo preto — grande como o de um marreco — que bicho nenhum, naquela mata toda, era capaz de botar.

Siga a Odyssey em nossas redes sociais para mais notícias selvagens!

O atributo alt desta imagem está vazio. O nome do arquivo é logo_canal_odyssey.png

Compartilhe esse post:

+ ARTIGOS